terça-feira, 20 de novembro de 2012

Consciência Negra - Com a palavra José Iramar

Créd: Clayton Cristus/Dicom AL
Peço licença, por que o texto não é meu.

O pronunciamento que segue abaixo é do grande José Iramar da Silva, liderança do movimento negro do Tocantins, um dos fundadores do Gruconto - Grupo Consciência Negra do Tocantins, que faleceu em março deste ano.

O discurso aconteceu no dia 29 de novembro de 2011 durante Sessão Solene em Homenagem ao Dia da Consciência Negra na Assembleia Legislativa do Tocantins.

"Eu gostaria de falar um pouco do GRUCONTO, o qual estou aqui representando, o Grupo de Consciência Negra do Tocantins, que foi fundado em 1995, data em que o Brasil inteiro estava celebrando o assassinato do nosso grande líder Zumbi dos Palmares, que graças, a partir, principalmente, do governo Lula, começaram a se desencadear e efetivamente a serem implementadas as políticas públicas para a população brasileira e, especificamente, políticas públicas para a população negra, com a criação, em primeiro lugar, da SEPPIR, a Secretaria Especial de Políticas Públicas para Igualdade Racial, com status de Ministério.

A partir daí a população negra deste País começou a ter mais avanços em suas lutas, e a partir daí, também, começou uma das políticas públicas mais importantes que tirou de baixo de todos os tapetes, da falsa democracia racial neste País, a discussão da cor, a discussão da questão da discriminação racial neste País, principalmente através das quotas para negros, que hoje estão ampliadas para estudantes de escolas públicas e para as pessoas empobrecidas deste País, para o acesso aos estudos superiores das universidades deste País, e outra coisa, ao mercado de trabalho e a todos os segmentos sociais.

Através disso daí, como eu estava falando, a questão que nós conhecemos no País, quase no mundo inteiro, posso dizer, é que a questão negra é uma coisa que nós precisamos estar rediscutindo, reconfigurando esse termo negro, porque o termo negro, segundo a história, é uma invenção, é uma palavra inventada para classificar pessoas. Negro significava naquela época, desde o século XII, foi usada pelos espanhóis na invasão na América do Sul, para classificar: “Aqui são pessoas livres e aqui são pessoas escravizadas”. E essas pessoas escravizadas foram chamadas de “negros”, então é uma palavra inventada.

E, já no século XV, usada pelos portugueses. No tráfico de escravizados, da África para as Américas e para o mundo, eles usaram o mesmo termo usado pelos espanhóis, a palavra “negro”.

Na verdade o que existem são pretos, pretos e brancos. Então, eu quero afirmar: eu sou preto e precisamos desconfigurar um pouco essa palavra... Igual o IBGE, que há anos começou a esconder essa questão.

As pessoas, os donos de engenho e as autoridades políticas, industriais, etc., capitalistas dessa sociedade, começaram a querer embranquecer este País, abrindo as portas do Brasil para os europeus. Nada contra os europeus, porque muitos deram uma importante contribuição para nossa sociedade, mas os negros foram ditos libertos pela Lei Áurea e ficaram aí inanes, sem terra, sem casa e sem pão, e vieram os europeus e ocuparam o mercado de trabalho dessa população negra.

Em relação a isso, eu quero citar uma frase do poema Histórias do Brasil, do meu conterrâneo maranhense, Pompílio Diniz, que falou o seguinte:

Deu a princesa Isabel, ao negro a libertação.
Eis aí o retrato fiel da maior tapeação
Teve o negro a liberdade, mas ficou na inanidade
Sem lar, sem terra e sem pão.


Esse trecho do poema História do Brasil, de Pompílio Diniz, para mim, significa toda essa trajetória que hoje nós denunciamos, graças a Deus, graças às políticas públicas, graças à luta do movimento negro nacional.

Ao nível de todo o Brasil, nós conseguimos vários avanços, e vamos conseguir muito mais, com iniciativas como essa, na Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, que eu espero que, enquanto militante do movimento negro, do movimento social deste Estado do Tocantins, nós esperamos que haja mais oportunidades, não só para a população negra, mas para os sem-terra, para os sem-teto, para as comunidades de terreiro do Estado do Tocantins, porque, além de ser negro, como falou a Mãe Magda, a discriminação é muito forte, por ser negro, por ser pobre, e, principalmente, quando se vê que a pessoa é seguidora de qualquer segmento religioso de matriz africana. Aí sim, a discriminação é muito maior, porque eu não quero nem saber de estar perto de uma pessoa que segue essa religião de matriz africana, que seja candoblecista ou umbandista.

(...)

Uma outra coisa, por último, e já afunilando a minha fala, eu gostaria de colocar aqui a questão especificamente das políticas públicas, que é um avanço importante que está havendo no País. Desde a década de 80, se discutiu no País a questão do Estatuto da Igualdade Racial, e só agora ele foi homologado, ainda um pouco fragmentado, dentro daquilo que o movimento negro do País lutou sempre.

Mas, já é um estatuto, já é um avanço importante para estarmos lutando pelos direitos da população preta deste País, para conseguirmos muito mais direitos, conquistas, por tudo que nós já fizemos desde os nossos ancestrais neste País.

E, por último mesmo, gostaria de falar sobre a Lei n.º 10.639, que insere na grade curricular das escolas do ensino fundamental ao ensino superior, a história da África e a história do negro no Brasil. Isso é importante porque todos nós, enquanto educadores, educadores oficiais, extraoficiais, somos educadores sociais que estão diuturnamente na sociedade, nas associações de bairros, nos sindicatos promovendo essa discussão. É importante que a partir das legislações seja discutida, implementada, provocada essa discussão na sociedade como um todo, não é só na comunidade estudantil, não; mas a sociedade como um todo precisa discutir essas questões.

E por último, mesmo, quero parabenizar a nossa Presidenta Dilma Rousseff por ter sancionado, como já falou aqui o nosso Deputado Zé Roberto, no dia 10 deste mês, a lei que institui o Dia Nacional da Consciência Negra e o Dia de Zumbi dos Palmares.

E agora, para me despedir, eu quero recitar uma ladainha de capoeira que diz muito sobre a nossa autoafirmação enquanto pretos neste País.

Às vezes me chamam de negro
Pensando que vão me humilhar,
Mas é que eles não sabem,
Que só me fazem relembrar,
Que eu venho daquela raça,
Que lutou para se libertar,
Aprendeu o maculelê,
E ensinou candomblé e a umbanda,
E hoje aqui nesta sala,
Eu canto com todos os meus irmãos,

E eu cito alguns: Rei, mestre Timbal, meu irmão,
O Mário, meu irmão,
Dona Isabel, minha irmã,
Elis Raik, meu irmão,
Rosimar Mendes, minha irmã,
A Mãe Magda, minha irmã,
Todos Deputados, nossos irmãos,
E todos vocês aqui presentes, a galera,
Todos nossos irmãos.


Um axé para todos, muito obrigado e até uma próxima."