terça-feira, 23 de outubro de 2012

Contrapondo o ridículo


Hoje tive uma sensação bem esquisita, um mix de orgulho, de tristeza, de revolta o que acabou me deixando inquieta, e o que fazer pra me acalmar ?! Escrever.
 
Eu dedico este texto ao professor Pierre Lucena, do blog Acerto de Contas, que escreveu O ridículo salta aos olhos.

Professor foi seu texto O ridículo salta aos olhos, o responsável por tantas emoções. Ler é realmente algo mágico, mexe com a gente. E seu texto mexeu muito comigo. Fiquei pensando, como pode existir tanta ingenuidade e tanta inocência nas reflexões de alguém com um nível de graduação como o seu. 

Não aceito, desculpe, mas não aceito que o senhor realmente acredite que o comercial da Marisa - que incitou a manifestação - ‘não tem absolutamente nada de mais’. Ou que seja ‘ algo totalmente dentro do cotidiano’. Violência, corrupção, drogas, maus tratos, infelizmente fazem parte do cotidiano de nossa sociedade. E desculpe discordar, mas vejo algo de mais, aliás vejo muita coisa de mais. A ignorância é de mais, o silêncio é de mais, a impunidade é de mais, e a lista é grande. Uma pena que não veja nada de mais dentro deste tsunami de delírios consumistas que invadem o consciente de nossa sociedade. 

Como professor universitário (universidade vem de universo), o senhor é alguém que tem a honra de ocupar uma posição favorável ao desenvolvimento de debates reflexivos, aprofundados e sobre tudo, bem argumentados no intuito de incitar, não só seus alunos, mas seus leitores, à manterem uma discussão inteligente e bem embasada. Mas que tristeza em perceber que um professor de universidade ousa divulgar um texto de tamanha pobreza.

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Já está na hora do povo brasileiro exorcizar este discurso de que política, religião, futebol e gosto não se discutem. É uma das frases mais descabidas que ja ouvi. Como assim gosto não se discute ?

Segundo o sociólogo Pierre Bourdieu o julgamento do gosto resulta de forma variante, de acordo com status social, nível cultural (e aqui eu falo de cultura cultivada), origem cultura e econômica do individuo. Então o senhor vem declarar que ‘tudo isso por causa de um comercial onde uma mulher bonita passa e chama a atenção dos homens, como se isso não acontecesse nas ruas’. Não coloco em causa, de forma alguma o fato de uma mulher bonita chamar atenção, não só de homens, mas como de mulheres também, mas o conceito de beleza padronizado tal que conhecemos hoje em dia, quem elegeu?

Aí, como se já não bastasse introduz, duas linhas de pensamentos: a ditadura do politicamente correto, e do pensamento único concluindo de forma descontextualizada e incorente, uma vez que seu texto termina com a seguinte frase : ‘Vejam o comercial a baixo e digam se não tenho razão’.

Professor eu vi e revi o comercial e lhe digo, o senhor não tem somente razão, mas razões de pensar desta forma. Assim como as mulheres da Casa 8 Março tem as razões delas também. Não se trata de ser ou não ser o dono da verdade, a verdade, assim como o pensamento e razão não são únicos.

Agora taxar de ridículo uma manifestação é um ato de desrespeito contra a sociedade, contra os direitos humanos, contra toda a história mundial. Quantas revoluções foram necessárias para podermos ter direito de se manifestar?! Milhares e milhares. Umas mais e outras menos conhecidas. Só para citar algumas : Revolucão Francesa, Revolução Americana, Revolução Chinesa, Russa... E as nacionais? Inconfidência Mineira, Revolução Pernambucana, Farroupilha, Cabanagem... A lista é longa professor. Quantas pessoas lutaram para que pudessemos gozar deste direito? E quantas destas pessoas pagaram com o próprio sangue por isto? Um protesto, senhor professor, que tem como objetivo alertar pessoas contra as ameaças da ditadura da moda, da padronização de beleza, da indústria cultural, da coisificação do corpo, não pode ser taxado de ridículo.

Ridículo, segundo a definição que encotrei no dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, quer dizer : ‘Quem provoca riso; escarmos ; grotesco; zombeteiro; insignificante; que tem pouco valor’.

Sinceramente, não tive vontade de rir quando li uma matéria sobre a manifestação. Também não acredito que possa ser considerada como grotesca ou zombetaire, tão pouco como algo insignificante, visto o numero de comentários que este poste lhe rendeu.

Mas o que este comercial tem haver com machismo?

Machismo é o nome dado à ideologia a qual o homem domina socialmente a mulher. E o feminismo  é a corrente que luta contra este tipo de dominação, tendo como preceito a igualdade de direitos entre os sexos.

De acordo com o estudos aplicados à Sociologia do Corpo, um ramo recente da sociologia que tem como objeto geral de estudo as representações sociais do corpo humano e as relações sociais que envolvem estas representações, o corpo não representa somente uma unidade orgânica, biológica, o corpo é resultado também de uma unidade de representação cultural, social e econômica. E embora a sociologia do corpo - como denominação seja algo recente, já no começo do século XVII René Descartes declarou ‘é mais facil falar sobre a mente do que lidar com o corpo humano’. Ele já fazia alusões à cultura. No século seguinte, estudos de Marcel Mauss, considerado um dos pais da antroplogia já trabalhava em cima de algumas pistas em relação às formas de dominação e o corpo.

Karl Marx formulou a ideia de base sociológica de que ‘o corpo não é somente o resultado direto e indireto involuntário de relações sociais, mas o alvo de um sistema de modelagem’. Um século mais tarde Michel Foucault declara que ‘o corpo é o objeto de um sistema organizado voltado para moldar poderes não centralizados’. Em suma, Foucault denunciava a existência de um sistema de social que ele demoninou de biopoder. Com a ajuda de dispositivos como o panoptico, o poder eminente do Estado domina o corpo e constrói os indivíduos. Foucault lutou de maneira subjetiva contra a subjulgação humana através do corpo, como podemos constatar em seus trabalhos sobre micropoder.

No século XX, o corpo humano já era observado como um produto de consumação por algumas categorias da sociedade. Esta triste constatação deixa de ser discutida apenas em meios acadêmicos. Este pensamento foi desenvolvido pela sociologia econômica, também chama de sociologia da consumação. Esta nova vertente tinha como objeto geral de pesquisa o consumo em todas as suas formas e estudos específicos sobre psicologia social, comportamento do cliente em ambientes comerciais.

E no que diz respeito à sociologia do corpo, sua premissa maior é a ideia de que o corpo é alvo da consumação. Quem tiver interesse em ler algo mais sobre a sociologia do corpo, Jean Baudrillard é uma referência contemporânea neste assunto. Os estudos da socioigia do corpo são acompanhados de perto por muitos profissionais da sociologia da alimentação também.

Vivemos em uma sociedade onde é a midia quem dita os padrões de beleza, e as mulheres, desde a mais nova idade, são as maiores vítimas. Na Europa é cada mais comum ver casos de anorexia em meninas entre 6 e 12 anos. Uma realidade que vai contra a epidemia da obesidade na qual tem sofrido os países em forte desenvolvimento.

A sociologia do corpo se alimenta, assim como a sociologia da moda, e a sociologia do nu, em estudos antropológicos, comunicacionais, filosóficos, econômicos, psicológicos, educacionais, em fim a convergência disciplinar é ampla e engloba grandes problemas da sociedade atual. Estudos feitos por David Le Breton demonstram que em certos casos esta busca pela corpo perfeito pode levar à auto-multilação e à escarificação.

Relanço então professor o debate.

Luciana Berthod, jornalista e socióloga.


 

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