Hoje tive uma sensação
bem esquisita, um mix de orgulho, de tristeza, de revolta o que acabou me
deixando inquieta, e o que fazer pra me acalmar ?! Escrever.
Eu dedico este texto ao professor Pierre Lucena, do blog
Acerto de Contas, que escreveu O ridículo salta aos olhos.
Professor foi seu
texto O ridículo salta aos olhos, o responsável por tantas emoções. Ler
é realmente algo mágico, mexe com a gente. E seu texto mexeu muito comigo.
Fiquei pensando, como pode existir tanta ingenuidade e tanta inocência nas
reflexões de alguém com um nível de graduação como o seu.
Não aceito,
desculpe, mas não aceito que o senhor realmente acredite que o comercial da Marisa
- que incitou a manifestação - ‘não tem absolutamente nada de mais’. Ou que
seja ‘ algo totalmente dentro do cotidiano’. Violência, corrupção, drogas, maus tratos, infelizmente fazem parte do
cotidiano de nossa sociedade. E desculpe discordar, mas vejo
algo de mais, aliás vejo muita coisa de mais. A ignorância é de mais, o
silêncio é de mais, a impunidade é de mais, e a lista é grande. Uma pena que
não veja nada de mais dentro deste tsunami
de delírios consumistas que invadem o consciente de nossa sociedade.
Como professor
universitário (universidade vem de universo), o senhor é alguém que tem a honra
de ocupar uma posição favorável ao desenvolvimento de debates reflexivos,
aprofundados e sobre tudo, bem argumentados no intuito de incitar, não só seus
alunos, mas seus leitores, à manterem uma discussão inteligente e bem embasada.
Mas que tristeza em perceber que um professor de universidade ousa divulgar um
texto de tamanha pobreza.
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Já está na hora do
povo brasileiro exorcizar este discurso de que política, religião, futebol e
gosto não se discutem. É uma das frases mais descabidas que ja ouvi. Como assim
gosto não se discute ?
Segundo o sociólogo
Pierre Bourdieu o julgamento do gosto resulta de forma variante, de acordo com
status social, nível cultural (e aqui eu falo de cultura cultivada), origem
cultura e econômica do individuo. Então o senhor vem declarar que ‘tudo isso por causa de um comercial onde uma mulher bonita
passa e chama a atenção dos homens, como se isso não acontecesse nas ruas’. Não coloco em causa, de forma alguma o fato de uma mulher bonita chamar
atenção, não só de homens, mas como de mulheres também, mas o conceito de beleza
padronizado tal que conhecemos hoje em dia, quem elegeu?
Aí,
como se já não bastasse introduz, duas linhas de pensamentos: a
ditadura do politicamente correto, e do pensamento único concluindo de forma
descontextualizada e incorente, uma vez que seu texto termina com a seguinte
frase : ‘Vejam o comercial a baixo e digam se não tenho razão’.
Professor
eu vi e revi o comercial e lhe digo, o senhor não tem somente razão, mas razões
de pensar desta forma. Assim como as mulheres da Casa 8 Março tem as razões
delas também. Não se trata de ser ou não ser o dono da verdade, a verdade,
assim como o pensamento e razão não são únicos.
Agora
taxar de ridículo uma manifestação é um ato de desrespeito contra a sociedade,
contra os direitos humanos, contra toda a história mundial. Quantas revoluções
foram necessárias para podermos ter direito de se manifestar?! Milhares e
milhares. Umas mais e outras menos conhecidas. Só para citar algumas :
Revolucão Francesa, Revolução Americana, Revolução Chinesa, Russa... E as
nacionais? Inconfidência Mineira, Revolução Pernambucana, Farroupilha,
Cabanagem... A lista é longa professor. Quantas pessoas lutaram para que
pudessemos gozar deste direito? E quantas destas pessoas pagaram com o próprio
sangue por isto? Um protesto, senhor professor, que tem como objetivo alertar
pessoas contra as ameaças da ditadura da moda, da padronização de beleza, da
indústria cultural, da coisificação do corpo, não pode ser taxado de ridículo.
Ridículo,
segundo a definição que encotrei no dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,
quer dizer : ‘Quem provoca riso; escarmos ; grotesco; zombeteiro;
insignificante; que tem pouco valor’.
Sinceramente,
não tive vontade de rir quando li uma matéria sobre a manifestação. Também não
acredito que possa ser considerada como grotesca ou zombetaire, tão pouco como algo insignificante, visto o numero de
comentários que este poste lhe rendeu.
Mas
o que este comercial tem haver com machismo?
Machismo
é o nome dado à ideologia a qual o homem domina socialmente a mulher. E o
feminismo é a corrente que luta contra
este tipo de dominação, tendo como preceito a igualdade de direitos entre os
sexos.
De
acordo com o estudos aplicados à Sociologia do Corpo, um ramo recente da
sociologia que tem como objeto geral de estudo as representações sociais do
corpo humano e as relações sociais que envolvem estas representações, o corpo
não representa somente uma unidade orgânica, biológica, o corpo é resultado também
de uma unidade de representação cultural, social e econômica. E embora a
sociologia do corpo - como denominação seja algo recente, já no começo do
século XVII René Descartes declarou ‘é mais facil falar sobre a mente do que
lidar com o corpo humano’. Ele já fazia alusões à cultura. No século seguinte,
estudos de Marcel Mauss, considerado um dos pais da antroplogia já trabalhava
em cima de algumas pistas em relação às formas de dominação e o corpo.
Karl
Marx formulou a ideia de base sociológica de que ‘o corpo não é somente o
resultado direto e indireto involuntário de relações sociais, mas o alvo de um
sistema de modelagem’. Um século mais tarde Michel Foucault declara que ‘o
corpo é o objeto de um sistema organizado voltado para moldar poderes não centralizados’.
Em suma, Foucault denunciava a existência de um sistema de social que ele
demoninou de biopoder. Com a ajuda de dispositivos como o panoptico, o poder eminente
do Estado domina o corpo e constrói os indivíduos. Foucault lutou de maneira
subjetiva contra a subjulgação humana através do corpo, como podemos constatar
em seus trabalhos sobre micropoder.
No
século XX, o corpo humano já era observado como um produto de consumação por
algumas categorias da sociedade. Esta triste constatação deixa de ser discutida
apenas em meios acadêmicos. Este pensamento foi desenvolvido pela sociologia
econômica, também chama de sociologia da consumação. Esta nova vertente tinha
como objeto geral de pesquisa o consumo em todas as suas formas e estudos
específicos sobre psicologia social, comportamento do cliente em ambientes
comerciais.
E
no que diz respeito à sociologia do corpo, sua premissa maior é a ideia de que o
corpo é alvo da consumação. Quem tiver interesse em ler algo mais sobre a
sociologia do corpo, Jean Baudrillard é uma referência contemporânea neste
assunto. Os estudos da socioigia do corpo são acompanhados de perto por muitos
profissionais da sociologia da alimentação também.
Vivemos
em uma sociedade onde é a midia quem dita os padrões de beleza, e as mulheres,
desde a mais nova idade, são as maiores vítimas. Na Europa é cada mais comum
ver casos de anorexia em meninas entre 6 e 12 anos. Uma realidade que vai
contra a epidemia da obesidade na qual tem sofrido os países em forte
desenvolvimento.
A
sociologia do corpo se alimenta, assim como a sociologia da moda, e a
sociologia do nu, em estudos antropológicos, comunicacionais, filosóficos,
econômicos, psicológicos, educacionais, em fim a convergência disciplinar é
ampla e engloba grandes problemas da sociedade atual. Estudos feitos por David
Le Breton demonstram que em certos casos esta busca pela corpo perfeito pode
levar à auto-multilação e à escarificação.
Relanço
então professor o debate.
Luciana
Berthod, jornalista e socióloga.
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